IA: UE exige que big techs identifiquem conteúdos
Conteúdos criados por IA deverão ser identificados na UE, que exigiu adequação imediata das companhias; Twitter é do contra, para variar
A União Europeia já determinou que não vai pegar leve com conteúdos generativos criados por Inteligência Artificial (IA), ao aprovar o texto preliminar que regula a tecnologia em todo o bloco econômico.
Todas elas terão que se sujeitar às leis de proteção a direitos autorais no continente, o que dificultará a exploração comercial, e o conteúdo deverá ser claramente identificado, para não deixar dúvidas sobre sua natureza.
Embora a Lei de IA, caso aprovada, só entre em vigor entre 2025 e 2026, a Comissão Europeia decidiu que, como a tecnologia generativa é muito nova e está causando danos hoje, as companhias responsáveis deverão identificar seus conteúdos gerados por sistemas especialistas e algoritmos agora, sem direito a questionar.
IA vs. UE
O texto preliminar (cuidado, PDF) da Lei de IA, aprovado por ampla maioria no parlamento em maio de 2023, está praticamente finalizado, e a votação está marcada para entre os dias 12 e 15 de junho. Entre outras coisas, ela proíbe completamente o uso de algoritmos para vigilância em tempo real, mesmo por órgãos estatais de segurança, como a polícia.
A única exceção é de casos de ameaça à segurança do bloco (terrorismo, por exemplo), e ainda assim, apenas conteúdo pré-gravado e com ordem judicial expressa. Essa regulação em específico foi bastante elogiada por organizações de defesa à privacidade e direitos humanos.
Por outro lado, a implementação das regras para regular IAs nos 27 países-membros da UE pegou pesado com todas as companhias, de OpenAi (ChatGPT) às big techs que entraram no negócio, como Microsoft, Google e Meta. O entendimento fundamental é proteger as propriedades intelectuais dos mantenedores de conteúdos usados no treinamento dos algoritmos, com precedência sobre as demais companhias.
No entendimento da UE, o uso de conteúdos amparados pelas leis de copyright para treinar IAs deve ser divulgado publicamente, e a criação de modelos derivativos de IPs protegidas é proibido, mas não para por aí:
As empresas serão obrigadas a identificarem, de modo claro e sucinto, que uma imagem, um vídeo, um game, um texto, um áudio, etc., foi desenvolvido por um sistema especialista, e não por humanos. Não importa como, não importa quantas cópias foram criadas. Tem que ser selado, registrado e carimbado, e ponto final.
A parte que obriga a divulgação dos modelos usados no treinamento de IAs foi incluída para permitir que os detentores das propriedades decidam como proceder: se autorizam integralmente, se limitam o uso de forma parcial e/ou impõem regras, ou se proíbem totalmente, neste caso, podendo abrir processos contra os algoritmos, por infração de direitos autorais.
Note que o uso de conteúdos protegidos, inclusive de bibliotecas fechadas, é indiscriminado e já foi flagrado de forma cômica.
Do outro lado, temos a exigência da UE de que todos os conteúdos gerados por IAs devem ser claramente identificados, não importa o método, para que os usuários possam ver de cara que aquele material não foi concebido por humanos.
Imagens e vídeos, por exemplo, deverão muito provavelmente trazer marcas d'água, enquanto textos, áudios e games podem acabar tendo que incluir disclaimers (este método também aplicável em vídeos). Só que a UE decidiu que este procedimento em específico não pode esperar a Lei de IA ser aprovada.
Nesta segunda-feira (5), Věra Jourová, vice-presidente da Comissão Europeia para Valores e Transparência, disse em uma coletiva de imprensa que chatbots avançados, como o ChatGPT, bem como outras IAs generativas, são capazes de criar "conteúdos substanciais (no sentido de críveis) em questão de segundos", desde imagens e vídeos de fatos que nunca ocorreram, a áudios imitando as vozes de outras pessoas.
No seu entendimento, tais ferramentas são perigosas por darem muito poder de dissimulação a gente mal intencionada, de trolls a criminosos, e eventualmente acabarão se tornando armas na guerra de narrativas, ou em guerras reais, citando a invasão da Ucrânia à Rússia.
Sendo assim, a UE está exigindo que a identificação dos conteúdos de IA seja feito AGORA, e de forma obrigatória, sob pena de sanções e multas às companhias responsáveis, em nome da proteção aos cidadãos e companhias da Europa.
Elon Musk "escolheu o conflito"
Claro que uma imposição de regras antes de uma Lei ser aprovada não agrada ninguém, e a UE passa a mensagem de estado autoritário que tanto repudia em desafetos diplomáticos, como a Rússia, mesmo com o argumento de "proteção da segurança" dos cidadãos europeus. Ainda assim, não há espaço para discussão, apenas compliance.
A adesão se dá através do Código de Conduta no Combate à Desinformação, voltado às gigantes tech, redes sociais, e empresas responsáveis por IAs generativas, cuja adesão é voluntária, pero no mucho. Quem entrar se compromete a seguir as regras do jogo, mas quem escolher ficar de fora, estará sujeito ao martelo da Comissão.
O Google foi uma das primeiras big techs a se manifestar sobre o apoio à identificação de conteúdos de IA, alegando que "está desenvolvendo tecnologias" para isso. Meta, Microsoft, YouTube e TikTok também são membros do código.
Quem se negou a dançar conforme a música? O Twitter de Elon Musk, claro.
Assim que o executivo adquiriu a rede social, ele fechou o escritório europeu, em Bruxelas, e pouco depois, a plataforma se removeu do Código de Conduta referente à Covid; em maio, o Twitter pulou fora inteiramente do código de desinformação, o que irritou ainda mais as autoridades europeias.
Musk foi lembrado várias vezes que o Twitter é obrigado a seguir as regras da UE, se quiser continuar disponível nos países do bloco, e seu discurso de "liberdade de expressão absoluta" não encontra coro no Velho Mundo. Ainda assim, o agora ex-CEO da rede social continua esticando a corda para ver até onde ela vai.
Até o momento, o Twitter não pretende aderir à identificação de conteúdos de IA, o que foi entendido por Věra Jourová como "tendo escolhido o conflito" com a Comissão Europeia, o que ela alegou ser "a maneira difícil", para a empresa w Musk, lidarem com a situação. E completou:
"O Twitter tem atraído muita atenção, e suas ações e compliance com as Leis da UE serão analisadas, de forma urgente e vigorosa."
Vale lembrar que o Twitter, bem como outras plataformas, terão que se sujeitar às regras da Lei de Serviços Digitais a partir de agosto de 2023, quando entrará em vigor. Esta determina regras de transparência e proteção de dados, que big techs e redes sociais serão obrigadas a seguir, sob pena de multas pesadas, podendo escalar ao banimento de serviços da Europa.
Considerando que Elon Musk está dando um motivo atrás do outro para os legisladores europeus o odiarem ainda mais (nenhum político gosta dele, na realidade), a segunda alternativa para o Twitter não parece mais tão improvável.